PORTUGAL: “O crescimento da direita populista só enfraquece ainda mais a confiança no sistema político”

AnaCarmoTambém disponível em inglês

CIVICUS fala sobre as eleições antecipadas que terão lugar em Portugal no dia 10 de março com Ana Carmo da Akto, uma organização da sociedade civil portuguesa que promove os direitos humanos e os valores democráticos através da advocacia, campanhas e educação.

Quais são as principais questões com que o novo governo terá de lidar e como é que os candidatos prometem abordá-las?

As questões mais urgentes que deveriam ser abordadas pelo novo governo e que têm sido centrais nos debates eleitorais são a habitação, a saúde, as pensões, a educação, a imigração e a crise climática. Há muitos outros temas que estão na ordem do dia e que deverão ser abordados, incluindo alguns relacionados com a polícia e o sistema judicial.

Estas são questões que permitem respostas muito diferentes consoante a posição no espectro ideológico. Os partidos mais à esquerda apresentam medidas que requerem uma maior intervenção do Estado e investimento no setor público, enquanto os mais à direita apresentam propostas que beneficiam o setor privado e os investidores, e requerem menos intervenção do Estado, acreditando que isso conduzirá ao crescimento económico e subsequentemente a um maior bem-estar.

Tendencialmente, a política portuguesa é disputada por dois partidos, o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD), ambos próximos do centro. Nesta campanha, Pedro Nuno Santos, cabeça de lista do PS, tem apresentado propostas mais à esquerda do que é habitual do PS, enquanto Luís Montenegro, cabeça de lista da Aliança Democrática (AD), uma coligação liderada pelo PSD, tem seguido a linha ideológica habitual do seu partido.

Mais o PS está a desgastar-se, talvez devido aos seus oito anos seguidos de governação, enquanto o PSD, em vez de se preparar para lhe suceder, também está a enfraquecer. Em vez disso, crescem partidos de direita mais radicais, nomeadamente o Chega, identificado como um partido “catch-all”, ideologicamente amorfo, populista e oportunista, que adapta o seu discurso da forma que lhe permite angariar mais votos.

Um clima de descontentamento, frustração e quiçá revolta tem levado cada vez mais pessoas a votar no Chega como forma de protesto. No entanto, o crescimento de um partido como o Chega só enfraquece ainda mais a confiança no sistema político existente.

Tem havido problemas com desinformação ou discurso de ódio na campanha?

Tem havido problemas de desinformação, particularmente disseminada pelo partido Chega, cujo discurso não se baseia em factos. Por isso é recorrente ouvirmos factos falsos ou ideias falaciosas vindas dos seus deputados e do seu líder. Este partido tem vindo a fazer uma campanha anti-imigração que parece ter instigado discursos de ódio e expressões de xenofobia na sociedade. No passado dia 3 de fevereiro aconteceu em Lisboa, no Martim Moniz, uma zona conhecida pela diversidade multicultural, uma marcha de extrema-direita contra a “islamização da Europa”. A marcha foi proibida pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Tribunal pelo seu conteúdo e pelo perigo que acarretava para os cidadãos. Ainda assim, estas pessoas saíram à rua.

Alguns media e os restantes partidos políticos estão a fazer um esforço para desconstruir as falácias em volta da imigração, sublinhando que a verdade é que Portugal é um país de emigrantes. Destacam também factos positivos relativamente aos imigrantes, como o seu grande contributo para a segurança social portuguesa, que permite o pagamento de pensões. Este é um argumento muito forte a favor da imigração.

Durante a sua campanha, o Chega fez ainda a absurda e impactante proposta de “acabar com os apoios para a igualdade de género”. Esta declaração, novamente, valeu um esforço de desconstrução e verificação dos factos por parte dos media e fez posicionar os restantes partidos políticos.

Com a crescente disseminação de “fake news”, foram criados programas de fact checking nos media portugueses para ajudar a contrariar esta tendência e a manter o rigor jornalístico. No entanto, as campanhas de desinformação são mais difíceis de combater nas redes sociais, onde o partido Chega conseguiu imiscuir-se. Devido a isso, as sondagens apontam para uma significativa percentagem de jovens que potencialmente votará neste partido populista que coloca em causa os nossos direitos fundamentais.

Para fomentar o debate de ideias, a comunicação social portuguesa uniu-se, tal como em 2015, para organizar debates políticos entre os líderes de todos os partidos representados no Parlamento. No modelo implementado este ano, eles debatem entre si durante cerca de 25 minutos e estes debates são transmitidos e comentados nos diferentes canais de informação. Isto permite que a sociedade civil esteja mais informada sobre as suas escolhas e esta tem demonstrado interesse, porque os debates têm estado no top das audiências.

Tem alguma indicação de quais poderão ser os resultados das eleições?

Desde a demissão do Primeiro-Ministro António Costa em novembro de 2023 devido a uma investigação de corrupção que o envolveu em tráfico de influências, corrupção e prevaricação em projectos energéticos, o cenário político tornou-se cada vez mais imprevisível.

Primeiramente, com a sua eleição como líder do PS, Nuno Santos foi visto como o sucessor inequívoco para Primeiro-Ministro, devido não só ao seu carisma, mas ao facto do seu partido ter maioria absoluta. Montenegro, por outro lado, não é um líder carismático e teve um percurso com repercussões negativas, e em geral, o PSD tem vindo a perder força para partidos mais radicais e populistas como o Chega e a Iniciativa Liberal, que não é vista como um partido populista e ainda tem espaço no espectro da direita política. O PSD apenas não se quer aliar ao Chega, e a Iniciativa Liberal rejeitou uma coligação com o PSD, fazendo com que este se aliasse então ao CDS-Partido Popular e ao Partido Monárquico.

Ao coligar-se com dois partidos sem assento parlamentar, o PSD ressuscitou uma solução de 1979 para tentar fazer frente à maioria absoluta do PS. Mas ainda assim, não ganhou inicialmente o terreno que pretendia.

A esquerda também tem perdido relevância: o Bloco de Esquerda tem atualmente cinco deputados no Parlamento, o Partido Comunista Português tem seis, e o Livre tem um.

Com uma esquerda que alguns comentadores declaram “adormecida”, um bloco central unipartidário e uma direita sem um líder assertivo, apenas um partido floresce, o Chega.

No final de 2023, as sondagens apontavam para uma nova maioria do PS, mas desde a formação da coligação AD, algumas sondagens apontam para uma potencial vitória da AD. Neste momento, há uma grande incerteza e o grande segmento de eleitores indecisos potencialmente decidirá o rumo do país. De cada vez que há um novo debate eleitoral surgem novas tendências. Nos últimos debates em que participou, Nuno Santos apelou ao “voto útil” com receio de uma vitória da AD e da direita.

Quais são as suas expectativas para o período pós-eleitoral?

Dependendo do partido vencedor, da maioria que obtiver, das coligações que se formarem e do número de deputados que os partidos opositores consigam eleger, podemos desenhar vários cenários.

Estas eleições legislativas poderão levar Portugal a juntar-se a um cenário semelhante ao que temos vindo a assistir pela Europa com a governação de partidos de extrema-direita e populistas, ou poderão fazer com que Portugal se destaque com um governo mais socialista e de esquerda. E mesmo estes dois cenários são redutores, pois o resultado irá depender também de como será constituída a oposição política parlamentar, que é tão importante para o bom funcionamento da nossa democracia.


O espaço cívico em Portugal é considerado “aberto” pelo CIVICUS Monitor.

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